A Jornada sobre arquivo e preservação da literatura digital latino-americana: “Novos mapas da literatura digital na América Latina”, realizada nos dias 6, 7 e 13 de maio de 2021, remotamente, encerrou-se com a participação de mais de 120 ouvintes e 20 conferencistas que se reuniram com uma perspectiva colaborativa para pensar os futuros repositórios dessas obras. Nesse encontro foram apresentados projetos de repositório, antologias e arquivos de literatura digital latino-americana, cada um com diferentes enfoques sobre como preservar e dar visibilidade às obras que se tem gerado na região, nas últimas décadas.
06 de maio
Cartografía de la literatura digital latinoamericana
Atlas da Literatura Digital Brasileira
A Jornada foi aberta com uma introdução da pesquisadora mexicana Nohelia Meza (UDLAP/México) que sublinhou que esses encontros “não só nos permitem traçar um mapa da produção literária eletrônica e digital na América Latina, como também identificar os desafios que este campo de estudos e criação enfrenta no que diz respeito às formas de preservar a literatura digital para o futuro”. A primeira apresentação do dia foi o projeto Cartografía de la literatura digital latino-americana das professoras e pesquisadoras chilenas Carolina Gainza e Carolina Zúñiga (Laboratório Digital/UDP/Chile), que realizaram uma navegação pelo site e mostraram a visualização das 180 obras compiladas até o momento. Além disso, refletiram sobre a impermanência e sobre as dificuldades de arquivar a literatura digital. Salientou Carolina gainza:
Em seguida foi a vez da professora e pesquisadora brasileira Rejane Rocha (Observatório da Literatura Digital Brasileira/UFSCar/Brasil), que apresentou o “Atlas da literatura digital brasileira” e enfatizou que durante o processo de documentação das quase 116 obras foi necessário criar um grupo de pesquisa, o que originou o Observatório da Literatura Digital Brasileira. A pesquisadora também se referiu aos desafios implicados no processo de pensar as taxonomias de classificação das obras, sublinhando “a necessidade de estabelecer um diálogo com outros pesquisadores, de firmar parcerias com outros projetos latino-americanos, o que tornou possível construir novos critérios e avaliação das obras”. Em sua intervenção também refletiu sobre o fator da temporalidade que perpassa esse tipo de produção, já que 71 delas foram programadas no software Flash, descontinuado no final de 2020.
As apresentações do dia se encerraram com os comentários da professora e pesquisadora argentina Verónica Gómez (IIBICRIT/CONICET/Argentina), que destacou que a exploração da Cartografía apresentada por Gainza e Zúñiga parece ela mesma uma obra de literatura digital, graças a sua estética visual, gráfica, interativa e fragmentária, acrescentando, além disso, todos os desafios que a nomenclatura do projeto implicou para o seu desenvolvimento. Por sua vez, Manaíra Aires Athayde (CLP/UCoimbra/Portugal) ressaltou que o Atlas é uma oportunidade de pensar sobre a cultura do software e as bases de dados através de leituras críticas dos arquivos digitais, refletindo sobre a estética, a poética e a ética que sustentam esses repositórios.
07 de maio
Antologia da literatura eletrônica latino-americana e caribenha
Obras culturais nascidas digitais na Colômbia
No segundo dia se apresentou a Antologia da Literatura Eletrônica Latino-americana e Caribenha. Leonardo Flores (ASU/EUA), Claudia Kozak (UBA/Argentina) e Rodolfo Mata (UNAM/México) reafirmaram o fator histórico deste trabalho e a importância do vínculo com a tecnologia para suas análises. Na ocasião, mostraram obras pioneiras da região, presentes em seu projeto que reúne 81 obras que datam de 1965 a 2019 e que conta com 52 autores de 10 países da América Latina e do Caribe. Após a apresentação da Antologia, realizada por Flores, Kozak faz referência a uma das obras mais antigas da Antologia “IBM” de Omar Gancedo (Argentina), de 1966, realizada com cartões perfurados de poemas breves e à obra de Eduardo Darino (Uruguay) “Correcaminos” que destaca como a primeira obra que teve várias versões, inclusive em teletipo. Finalmente acrescentou outro pioneiro, Jesús Arellano (México), que compôs em uma máquina IBM MT72 Composer “El canto del gallo. Poelectrones” em 1972. Mata, poeta, professor e pesquisador mexicano explicou como funcionavam essas máquinas, destacando a relação entre a poesia e a tecnologia, e a importância da história do meio para compreender uma obra eletrônica, já que esta se vincula ao funcionamento daquele.
A seguir, ainda no mesmo dia, Liliana Herrera, Adriana Ordóñez e Magali Pérez (PUJ/Colômbia) falaram de sua pesquisa sobre obras culturais nascidas digitais colombianas, abordando a sua metodologia de trabalho, os problemas e perspectivas nesta área em seu país, realidade que se repete de forma similar em outros países da região. Herrera contou que o projeto usa o conceito de “documento digital”, proposto pela Biblioteca Nacional da Colômbia. Perez detalhou que sua análise esteve centrada em obras culturais nascidas digitais entre 2015 e 2019 segundo dados da Câmara Colombiana do Livro, a Biblioteca Nacional e Crea Digital. Dos 24 projetos pesquisados foram definidas problemáticas relacionadas com a conservação e perdurabilidade, o registro de obras e direitos de autor, o letramento digital e tecnológico e os incentivos futuros para a produção de obras culturais nascidas digitais.
A discussão do dia foi encerrada com os comentários do professor e pesquisador Wolfgang Bongers (PUC/Chile) aprofundando o desejo de mapear e arquivar em atlas, cartografias e antologias que compartilham ideias de visibilização, preservação e resgate e que se cruzam com a arqueologia de sistemas, programas e formatos de produção dessas obras. A esse respeito, propôs o arquivo como metacrítica, questionando sobre como escrevemos sobre essas obras, como mantemos a poética e como fazemos as distinções para caracterizá-las. Finalmente, o professor, pesquisador e artista colombiano Jaime Alejandro Rodríguez (PUJ/Colômbia) se referiu à dificuldade da preservação, acesso e projeção das obras digitais identificando outras dimensões da obsolescência: a de usuários-receptores que não se conectam com obras realizadas há 20 anos; a conceitual, da qual derivam novos conceitos que se podem rastrear em diversas pesquisas e projetos; uma terceira, dos artefatos, e uma quarta obsolescência institucional.
13 de maio
Centro de Cultura Digital México
Broken English
Masmédulab
O último dia da Jornada de Arquivo e Preservação da Literatura Digital Latino-americana se iniciou com a escritora e pesquisadora Mónica Nepote (CCD/México) recapitulando como foi criada a Coleção de E-Literatura do Centro de Cultura Digital México, em 2018, quando se reuniram, para esse fim, programadores, artistas multimídia e ilustradores. Para ela, a obra Tatuaje simboliza essa experimentação ao trabalhar em conjunto com todas as distintas materialidades digitais e nos distintos âmbitos que abarcam essa área de estudo e de criação. Nepote retomou as pesquisas de Claudia Kozak ressaltando que “as práticas de literatura digital surgem, como toda tecnopoética, juntamente com o campo teórico que a analisa. Era importante criar também um espaço de reflexão, para pensar nessas terminologias, políticas e tecnologias (…)” e acrescentou,
Os artistas e programadores Canek Zapata, Pierre Herrera e David Martínez do grupo Broken English enfatizaram que seu projeto começou em 2016, “estamos sempre remidiando a partir da internet” (Zapata) com o uso de tipografias e de reciclagem estética, com as quais queriam “dar um lugar apropriado a suas poesias e às de seus amigos, sem Google ADS”. Ao longo do percurso, foram mudando de plataforma de trabalho e de linguagens de experimentação, como a programação de bots (Twitter Cristo de Elqui); consideram que fazem “poesia low fi, com o que está mais acessível, usando as dinâmicas que propõem as redes sociais, onde temos uma comunidade que tem sido muito importante em nossa história” (Martinez).
A pesquisadora Pamela Medina (UPC/Peru), do Laboratorio Masmédulab propõe a compreensão das “peças poéticas como um conjunto de dados” e que seu projeto, juntamente com o matemático Michael Hurtado (UPC/Peru) tomam o conceito de transcriação como uma “operação de tradução que recria e transpõe o poema por meio de um programa, que o transcodifica” para a sua preservação, exemplificando com uma nova versão de Arcoiris Paranoico, de José Aburto, realizada em Flash no início dos anos 2000. Pamela e Michael explicaram que o projeto surgiu como um diálogo entre uma pesquisadora das humanidades, crítica literária e professora (Medina) e um matemático (Hurtado) em um laboratório independente, de onde têm rastreado a poesia visual e a experimentação poética peruana. Definem seu trabalho, na linha de Marshall McLuhan, sem uma separação entre o meio e a obra, destacando como exemplo a relação que pode existir, historicamente, entre o poeta impressor e o poeta programador. Por sua vez, Hurtado apresentou o conjunto de obras com as quais trabalham, sublinhando a importância de que pessoas das engenharias se unam à tarefa de restauração para construir essas obras de programação inversa e gerar uma linguagem comum.
A discussão final foi feita pelos artistas uruguaios Brian Mackern e Juan Ángel Italiano. Ao se referir ao surgimento da Net Art na América Latina nos anos noventa, Mackern retomou o comentário de Nepote sobre a necessidade de gerar esse centro de gravidade em que poetas, designers, músicos e programadores se reunissem, “nesse contexto, todos aprendiam de todos por meio de foros colaborativos, porque não havia nem manuais nem academias”. Em sua intervenção, Italiano se dirigiu aos “navegantes futuros”, enfatizando a importância de nos encontrarmos
O cruzamento entre criação literária e tecnologias digitais tem configurado novos mapas da literatura na América Latina. Essas iniciativas não só nos permitem traçar um mapa da produção literária eletrônica e digital latino-americana, como também identificar os desafios que esse campo de estudos e criação enfrenta, no que diz respeito às formas de preservar, para o futuro, a literatura digital, as memórias, as formas de escrita, as materialidades digitais e os novos modos de leitura.
Esperamos que possamos nos encontrar em um futuro próximo, para voltar a compartilhar abordagens, metodologias e obras para continuar enriquecendo as futuras bibliotecas digitais em nossa região.