Transcodificação

Por João Roberto Antunes

A transcodificação pode ser entendida como o ato de se fazer uma tradução a outro formato, de tal maneira que o objeto transcodificado passa por um processo de reconceitualização cultural. Ora, os objetos construídos no ambiente digital apresentam uma camada cultural e uma camada informática. Sendo assim, a camada cultural sofre uma influência direta da camada informática, o que faz com que obras impressas transcodificadas para o âmbito da digitalidade se transformem em outras, com características únicas e idiossincráticas.

Lev Manovich (2005) estabelece aquilo que considera como os cinco princípios dos novos meios de comunicação, nomeando como transcodificação o quinto princípio. É importante mencionar que a tentativa de simplesmente fazer uma aplicação desses princípios – representação numérica, modularidade, automatização, variabilidade e transcodificação – à análise da literatura digital é uma opção contraproducente. Uma postura teórica mais valiosa é compreender o que é cada princípio, como cada um se configura e quais são suas contribuições para o funcionamento dos novos meios, que, por sua vez, abrigam e modelam as produções literárias digitais que têm sido estudadas com afinco por teóricos e pesquisadores do campo em construção.

De acordo com o estudioso russo,

[…] <<transcodificar>> algo é fazer uma tradução a outro formato. A informatização da cultura leva a cabo de maneira gradual uma transcodificação similar em relação com todas as categorias e conceitos culturais, que são substituídos, no plano da linguagem ou do significado, por outros novos que procedem da ontologia, da epistemologia e da pragmática do computador. Portanto, os novos meios atuam como precursores deste processo de caráter mais geral de reconceitualização cultural. (MANOVICH, 2005, p. 94, tradução minha).

Nessa esteira reflexiva, o termo “reconceitualização cultural” se faz fulcral para um desdobramento mais contundente do conceito de transcodificação. Segundo Manovich (2005, p. 93), os novos meios são compostos de duas facetas diferenciadas: uma faceta cultural (a camada cultural, ou seja, a enciclopédia e o conto, a história e a trama, a composição e o ponto de vista, a mimese e a catarse, a comédia e a tragédia) e uma faceta informática (a camada informática, isto é, a linguagem informática e a estrutura de dados propriamente dita).

Dessa maneira, pode-se afirmar que

Como os novos meios se criam, se distribuem, se guardam e se arquivam com computadores, cabe presumir que seja a lógica do computador aquela que influa de maneira significativa na tradicional lógica cultural dos meios. Ou seja, cabe esperar que a camada informática afete a camada cultural. As maneiras a partir das quais o computador modela o mundo, representa os dados e nos permite trabalhar; as operações fundamentais que há por trás de todo programa informático (como buscar, concordar, classificar e filtrar); e as convenções de sua interface – em suma, o que pode ser denominado como ontologia, epistemologia e pragmática do computador – influeciam na camada cultural dos novos meios, em sua organização, em seus gêneros emergentes e em seus conteúdos. (MANOVICH, 2005, p. 93, tradução minha)

Assim, a literatura digital sofre a influência direta do princípio de transcodificação, já que a sua faceta cultural é configurada por intermédio de sua faceta informática. Sob essa perspectiva, é coerente afirmar que é por isso, também, que os teóricos e estudiosos têm defendido incisivamente o fato de que os objetos literários digitais se constroem de uma maneira totalmente distinta daquela convencionalmente adotada como modo de produção de obras literárias impressas, uma vez que a mudança de materialidade modifica a percepção, a circulação e a interpretação de um dado objeto.

Referência bibliográfica

MANOVICH, Lev. El lenguaje de los nuevos medios de comunicación: La imagen en la era digital. Barcelona: Paidós Comunicación, 2005.